terça-feira, 22 de março de 2011

Texto incluído no folheto do CD Tempos de Saudade do Grupo de Fados e Guitarradas de Ciências da U.P.

A respeito da primeira formação do Grupo de Fados e Guitarradas de Ciências e um pouco da história do Fado de Coimbra na cidade do Porto.

“As serenatas faziam-se às 2 e 3 da manhã, quando a cidade estava no primeiro sono! Mas toda a gente gostava, ao ouvir o Carlos Leal, e ao ver o grupo de capas e batinas que silenciosamente desprendiam os acordes sentimentais das suas guitarras”. Coimbra? Não. Carlos Leal foi estudante da Faculdade de Medicina do Porto nos anos 20, altura em que gravou alguns discos… de Fado de Coimbra.

Mas não é o Fado de Coimbra, como o nome indica, um género musical exclusivo dos estudantes de Coimbra, ainda que por vezes cantado (adulterado) por alguns cançonetistas com objectivos puramente comerciais? Sem entrar pela (terrível) questão das origens do Fado de Coimbra, é necessário referir que pelo menos desde os anos 90 do século XIX ele terá tido expressão junto dos estudantes do Porto.

É indiscutível que pelo menos a partir de Hilário os fados de Coimbra ganharam projecção nacional, nomeadamente através da circulação comercial de pautas com adaptações para piano (toda a família burguesa devia ter um piano em casa). E não se deve esquecer a importância da mobilidade dos estudantes entre as diversas localidades, quer em excursões, quer transferindo-se de instituição, quer em férias na sua cidade natal onde transmitiria aos alunos do liceu local as “modas” do ensino superior.

Assim, escrevia em 1904 Alberto Pimentel: “Em algumas localidades há Fados escolares de classe, como por exemplo o Fado dos estudantes açorianos [...]. Noutras localidades, principalmente em Coimbra, cada estudante dá largas ao lirismo individual em quadras de Fado, que vão passando de guitarra em guitarra até se generalizarem na classe e depois no país”.

Por razões semelhantes, desde há algum tempo que outras tradições académicas coimbrãs se iam implantando em diversas “academias” (liceais fora de Lisboa, Porto e Coimbra) por esse país fora. Em 1889, pela primeira vez estudantes do Porto tinham usado Capa e Batina.

E foi de Capa e Batina que a Tuna Académica do Porto foi a Compostela em 1897, onde “apesar da chuva e do mau tempo, fizeram-se serenatas; e, debaixo de certas janelas, cantaram-se deliciosos fados”. Como foi de Capa e Batina que a Tuna voltou a Santiago em 1909, com Manassés de Lacerda fazendo enorme sucesso com o seu fado (Manassés ficou célebre a cantar Fado em Coimbra em 1900-04, como aluno do Liceu; mudou-se depois para o Porto, onde gravou ainda antes de 1911 vários discos de grafonola).

Desde então não mais deixaram os estudantes do Porto de cultivar o Fado de Coimbra, quer nas serenatas, como as referidas acima, quer nos inevitáveis “Fados e Guitarradas” dos saraus académicos (donde, devido aos saraus do Orfeão Universitário do Porto, surgiria aí uma estrutura fixa, importantíssima, o Grupo de Fados do O.U.P.), quer a partir de 1960 nas Serenatas Monumentais da Queima das Fitas.

Seria fantasiar afirmar que o Fado de Coimbra é igualmente do Porto: o meio portuense do Fado de Coimbra sempre foi muito mais pequeno e “muito mais intérprete que criador”, nunca tendo dado grandes contributos para a sua evolução.

Mas será estranho que num meio estudantil que, mesmo não tendo o Choupal, o Penedo ou a Torre da Cabra, fazia seu o imaginário académico aprendido nas páginas do Mata-Carochas ou do Pad’Zé; nas histórias contadas pelos colegas que de Coimbra para cá vinham; ou nas vivências próprias que ia tendo pelo Porto, o Fado de Coimbra tivesse grande adesão, cantando esse mesmo imaginário, o Amor (senão pelas “tricanas”, pelas “gentis damas do Porto”) e por fim a saudade de ser estudante?

É nesta tradição que se insere este grupo: não se trata de pessoas que se interessam pelo Fado de Coimbra como se poderiam interessar por outro género musical qualquer; trata-se de académicos que viveram e vivem intensamente a Universidade e todas as suas tradições (ouça-se o Fado e a Balada de Despedida aqui gravados!).

Mas trata-se também de um grupo que alia ao aspecto académico a qualidade musical (ouça-se o disco todo!), ao que não é alheia a excepcional qualidade do seu “Mestre”, Paulo Soares, que aqui há uns anos reeditou a tradição, que vem pelo menos do Manassés, de periodicamente por cá aportarem combrãos, para (r)estabelecerem as comunicações.

No entanto, há também um “tradição” que não cumprem, e ainda bem: é que esta é, tanto quanto sabemos, a gravação portuense de Fados de Coimbra com maior número de originais!

Por estas razões, este é não só um documento de um grande grupo, como um contributo importante para os “Fados e Guitarradas” no Porto, e merece um pujante

FRA!"

João Caramalho Domingues

Sem comentários:

Enviar um comentário